domingo, 6 de outubro de 2019

Por um fio


Há um homem nu em meu banheiro
Seria apenas uma porta se não houvesse um abismo entre nós
Se não houvesse quilômetros percorridos em direções opostas
A água que escorre por seu corpo
Percorre caminhos por onde passei
Enche-me de nostalgia o som da água e do chuveiro elétrico
Zumbido poético
Vapor teleférico
Restos meus na esponja e no sabão
Tocam seu corpo
Penetram seus poros
Tomam-lhe por lugares que já não alcanço
Pequenos espaços privados
Seria apenas uma porta
Se não houvesse entre nós o pudor e o poder
Barreiras transponíveis apenas a barra do meu sabão
Lembrará ainda meu cheiro?
Há de encontrá-lo entre tantos aromas, tantas memórias?
Tempo esfoliante
Distância adstringente
Há um homem nu em meu banheiro
Fora, uma mulher nua,
Se esconde sob os lençóis
Constrangida como seus pensamentos
Observa através da porta
Pela fresta da memória
O corpo a se esfregar em seus cheiros
A mandar pelo ralo toda a distância
de vidro temperado
A água do chuveiro sinaliza
Shhhhhhhhhhhhhhh....
Calados os pensamentos
Observo-o partindo pelo ralo
Deixando seus pelos, pentelhos
Engasgando meu lar em cabelos
E a lembrança que permanece por um fio
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Beca Moreno (2015)

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